Santa Cruz do Sul.
EDUNISC.
2003.
APRESENTAÇÃO
História, Medicina e Sociedade no
Brasil,
reúne cinco textos acerca das implicações do desenvolvimento dos saberes da
medicina científica na sociedade brasileira.
Em
que pese a diversidade teórica das abordagens aqui reunidas, o que estabelece a
unidade destes textos é o esforço de pensar a ciência, a cultura e a sociedade
a partir de relações que transcendem a idéia de um campo insular do saber
científico cujas transformações da sociedade fossem, numa linguagem
determinista, o resultado de saberes refratários aos seus contextos. É, pois,
no entrelaçamento entre visões do mundo e conhecimento científico que se pode
vislumbrar que a ciência não é insular como acredita ser mas, sobretudo, o
resultado da própria visão de mundo em que está inserida. Ciência e metafísica
não estariam tão distantes como supõe a doxa
corrente. Se estas questões remetem diretamente a um problema ético da ciência,
nos coloca também no debate atual acerca das armadilhas da crença da certeza da
verdade científica.
Autores
como Stephen Jay Gould, já haviam apontado para as implicações da cultura e da
ideologia no método e nas teorias científicas, ou seja, o discurso científico
não apenas tem implicações na sociedade, mas também é resultado de valores e
crenças da própria sociedade em que o cientista está inserido. Isso implica que
a ciência, na sua reificação da verdade, acabou por construir uma lógica do
distanciamento, cujo corolário da isenção e da imparcialidade conferiram
integridade e objetividade aos seus discursos. Foi assim que as abordagens
científicas acerca das "raças", por exemplo, acabaram por legitimar
políticas hierarquizadoras e eugênicas, quando não os genocídios. A refutação
dessas "teorias científicas" que legitimaram as políticas raciais,
apenas representou um avanço da ciência e não a sua trágica historicidade.
Nessa
direção, a ciência, como adverte Edgar Morin, "efetivamente deriva da
sociologia, do meio que ela constitui" e, sendo assim, ela é mais mutável
que a própria teologia. É a isso que a História reclama, a historização do
saber científico como saber contextual. Como saber refutável, conforme Popper.
Não se trata da reedição pretensiosa do tribunal da História, mas da sua
capacidade de memorar e de estabelecer critérios para o entendimento da dialética
entre ciência e sociedade.
Os
efeitos do discurso científico na sociedade, a se considerar essa concepção
refratária do espírito científico, levou a formação de um poder que
"escapa" ao próprio saber científico, um poder, vale dizer, mais
afeito a estratégia política. É justamente nessa relação entre saber e poder
que as estratégias, mesmo "fugidias" para o cientista, possibilitam a
criação de dispositivos políticos de intervenção social.
Por
outro lado, o saber científico, considerado, portanto, como contextual e
sociologicamente implicado, revela que o próprio saber também é o resultado de
valores e preconceitos sociais. No caso da medicina, que é o foco central das
preocupações dos autores que compõem este livro, os desdobramentos sociais do
saber médico podem ser pensados como resultados de saberes histórica e
sociologicamente constituídos.
Foi
esta a motivação que levou a organização deste livro. Reunir pesquisadores que
estão pensando a ciência, seu campo de atuação, sua constituição sociológica e
histórica e suas implicações políticas. O foco aqui será a Medicina e seus
efeitos políticos, seja na constituição de valores morais, comportamentais ou
mesmo simbólicos. É à história da medicina do Brasil que os autores deste livro
se dedicaram, nomeadamente as relações entre o saber médico e o
bio-determinismo, o saber médico e a produção da anormalidade, o saber médico e
suas implicações jurídicas. E ainda, as implicações do bio-determinismo nas
questões da eugenia, da arte, da literatura, das políticas públicas e da
própria definição do campo profissional da medicina.
Mozart Linhares da Silva
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