sábado, 26 de setembro de 2020

Livro

 



Organizador: Mozart Linhares da Silva.

Santa Cruz do Sul.

EDUNISC.

2003.


APRESENTAÇÃO

 

História, Medicina e Sociedade no Brasil, reúne cinco textos acerca das implicações do desenvolvimento dos saberes da medicina científica na sociedade brasileira.

Em que pese a diversidade teórica das abordagens aqui reunidas, o que estabelece a unidade destes textos é o esforço de pensar a ciência, a cultura e a sociedade a partir de relações que transcendem a idéia de um campo insular do saber científico cujas transformações da sociedade fossem, numa linguagem determinista, o resultado de saberes refratários aos seus contextos. É, pois, no entrelaçamento entre visões do mundo e conhecimento científico que se pode vislumbrar que a ciência não é insular como acredita ser mas, sobretudo, o resultado da própria visão de mundo em que está inserida. Ciência e metafísica não estariam tão distantes como supõe a doxa corrente. Se estas questões remetem diretamente a um problema ético da ciência, nos coloca também no debate atual acerca das armadilhas da crença da certeza da verdade científica.

Autores como Stephen Jay Gould, já haviam apontado para as implicações da cultura e da ideologia no método e nas teorias científicas, ou seja, o discurso científico não apenas tem implicações na sociedade, mas também é resultado de valores e crenças da própria sociedade em que o cientista está inserido. Isso implica que a ciência, na sua reificação da verdade, acabou por construir uma lógica do distanciamento, cujo corolário da isenção e da imparcialidade conferiram integridade e objetividade aos seus discursos. Foi assim que as abordagens científicas acerca das "raças", por exemplo, acabaram por legitimar políticas hierarquizadoras e eugênicas, quando não os genocídios. A refutação dessas "teorias científicas" que legitimaram as políticas raciais, apenas representou um avanço da ciência e não a sua trágica historicidade.

Nessa direção, a ciência, como adverte Edgar Morin, "efetivamente deriva da sociologia, do meio que ela constitui" e, sendo assim, ela é mais mutável que a própria teologia. É a isso que a História reclama, a historização do saber científico como saber contextual. Como saber refutável, conforme Popper. Não se trata da reedição pretensiosa do tribunal da História, mas da sua capacidade de memorar e de estabelecer critérios para o entendimento da dialética entre ciência e sociedade.

Os efeitos do discurso científico na sociedade, a se considerar essa concepção refratária do espírito científico, levou a formação de um poder que "escapa" ao próprio saber científico, um poder, vale dizer, mais afeito a estratégia política. É justamente nessa relação entre saber e poder que as estratégias, mesmo "fugidias" para o cientista, possibilitam a criação de dispositivos políticos de intervenção social.

Por outro lado, o saber científico, considerado, portanto, como contextual e sociologicamente implicado, revela que o próprio saber também é o resultado de valores e preconceitos sociais. No caso da medicina, que é o foco central das preocupações dos autores que compõem este livro, os desdobramentos sociais do saber médico podem ser pensados como resultados de saberes histórica e sociologicamente constituídos.

Foi esta a motivação que levou a organização deste livro. Reunir pesquisadores que estão pensando a ciência, seu campo de atuação, sua constituição sociológica e histórica e suas implicações políticas. O foco aqui será a Medicina e seus efeitos políticos, seja na constituição de valores morais, comportamentais ou mesmo simbólicos. É à história da medicina do Brasil que os autores deste livro se dedicaram, nomeadamente as relações entre o saber médico e o bio-determinismo, o saber médico e a produção da anormalidade, o saber médico e suas implicações jurídicas. E ainda, as implicações do bio-determinismo nas questões da eugenia, da arte, da literatura, das políticas públicas e da própria definição do campo profissional da medicina.

 

Mozart Linhares da Silva

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